quarta-feira, 28 de abril de 2010

Faria um funeral pra mim

Escutando músicas e lembrando de coisas, me veio na mente alguns momentos que não entendo da minha infância. Não entendo como eu pude sentir, mas acordei muito cedo pra vida, não queria. Talvez fosse melhor ter continuado alheia.
Morei com minha mãe até 5 anos, a vida não conseguia ser muito bonita lá, apesar de gostar muito dos meus pais.
Lembro muito das horas do almoço, minha mãe não cozinhava e tinhamos que esperar minha tia trazer comida ou comer qualquer besteira como bolachas e baré. Um dia, num sábado, eu na sala mexendo no monte de vinil e cd do meu pai, era uma das coisas que eu tinha pra brincar, e meus pais no quintal com seus amigos, conversando alto e fazendo coisas que gostavam. Eu esperava minha tia chegar com o almoço, pensava no que ela poderia trazer especialmente pra mim, pensava no meu irmão que dormia na rede, tão pequeno e frágil... me sentia alguém pra ele, alguém que estaria lá do lado quando ele acordasse. Já tava ficando tarde e minha tia não chegava com o almoço, eu sentia fome e no sábado nunca tinha bolachas e sábado é dia de almoçar comidas quentes. Levantei e fui pro quarto, vi a cama bagunçada dos meus pais, as colagens da porta, as coisas que meu pai fazia com canudos feitos de revista... barquinhos, aviões, carrinhos, flores... parecia tudo tão vazio. Olhei pro espelho e parei, comecei a olhar pra mim, minha pele branca tinha marcas de sol, meu cabelo loiro e cacheado, um arranhão bem na testa, comecei a chorar. Não sabia porque chorava, mas me sentia tão triste. Escutava as vozes vindas do quintal, ninguém sabia que eu chorava. Não lembravam de mim naquela hora, acho que sabiam que eu estaria brincando ou vendo tv. Fiquei me perguntando: "Por que estou aqui? eu sou uma criança, preciso de ajuda." Essa foi a primeira vez que pensei realmente na vida, faz muito tempo, mas eu lembro perfeitamente desse momento. Ouvi passos, era minha mãe vindo pro banheiro, enxuguei rapidamente o rosto, ela diz: "Acho que sua tia não vem."


Fui morar com minha tia, as coisas eram bem mais dificeis por motivos que não vou falar aqui, mas eram fáceis para minhas necessidades de sobrevivência. Eu poderia estudar e comer bem todos os dias, por exemplo.
Quando tinha 8 anos minha tia saía pra trabalhar, minha prima também e eu ficava as tardes sozinha em casa, cutucava o guarda-roupa da minha tia, mexia nos documentos, via fotos, imitava programas de tv e fazia entrevistas na frente do espelho. Um dia mexendo no bolo de fitas, achei uma da minha mãe, tinha o nome "Luciana". Coloquei pra tocar e era uma coletânea de músicas do Legião Urbana e algumas solos do Renato Russo. Fiquei sentada no sofá ouvindo, tava chovendo e fiquei em pé no sofá pra ver a chuva. Comecei a chorar copiosamente... não entendia o porque, mas aquelas músicas me deixavam muito triste. Pensei "eu também vou morrer um dia." Senti uma dor tão grande, me sentia sozinha. Passei todo o resto do dia na varanda olhando pro céu e muito, muito triste.
Minha tia chegou, não conseguia parar de ficar triste, então fui dormir.
Amanhã passa.

7 comentários:

Sara disse...

Por isso tanta sensibilidade. Novinha vivendo a vida adulta dos outros, entendendo e não entendendo o motivo da falta, da solidão, da sobrevivência. Lindo Géssica, sincero. =*

Igor Von Richthofen disse...

A vida tende a ser muito cruel com a inocência comum entre as crianças...os dias solitarios costumam ter um sadismo tão sincero que chega a ser libertador e ao mesmo tempo te escravizar e

toda essa balela toda que eu poderia ficar horas viajando mas o que você escreveu fez muito sentido pra mim, pode acreditar, ja fez e ainda faz porque eu ainda sou o pirralho que olhava as nuvens passando distantes e sentia vontade de voar so pra estar longe...não sei ainda de que, se era da dor ou dos gritos que

pertubavam a paz da casa ou mesmo das pessoas que eram mais distantes que as nuvens mas faziam suas farpas serem mais presentes. Talvez eu não tivesse motivos e so quisesse voar...so parte do Legião que estragou o texto hehehe mas eu sempre vou gostar de ler coisas

que podem ser sentidas, se algo so pode ser lido então eu prefiro ler uma bula de remédio pra ver se da algum remédio pra ver se ele me dopa de alguma forma.

Unknown disse...

Somos muito parecidas, tivemos que amadurecer muito cedo, por causa dos outros. Eu teria sido criança a vida toda se minha infância tivesse sido agradável, ao menos. Mas não, não tenho tantas lembranças boas,afinal, nossa memória tende a guardar o que nos marca.
Sei como é difícil sentir essa tristeza toda e não entender. Eu, nova, criada em um lar de pessoas que crêem em Deus, perguntava a tal porque tudo aquilo acontecia comigo, porque ele não interferia, porque não me levava de vez. Pedi a anjos de gesso, a fadas, a qualquer coisa que pudesse me ouvir e tivesse "poderes mágicos". Eles nunca responderam.
Que bom que hoje sou crescida o suficiente para ter entendimento das coisas e principalmente do que existe e do que não existe.
Mas, ainda tenho lembranças ruins... que levarei para sempre.

Sempre entendo você, você sempre me entende.

Carol disse...

Talvez pela gigantesca inocência quando crianças, conseguimos manter a sensibilidade tão aberta. E no fundo compreendemos, entendemos e sentimos tudo. E seriamos melhores conselheiros que qualquer adulto. Possuo lembranças tão exatas que me fazem perceber que seremos um dia, apenas mais insensíveis. É assim que descrevo um adulto, não maduro, mas duro.

Anônimo disse...

Géssica, to emocionada com o que você escreveu mulher... curioso que vim aqui ver você falar algo de engraçado ou suas doidiças mesmo... e me deparo com um dos depoimentos mais sinceros que ja vi.
Um depoimento sem teatralização, um verdadeiro contato com o que você sente, reconhecimento de si e de suas emoções... mostrando um amadurecimento forçado, porém muita sabedoria ao reconhecer e aceitar o que você vivenciou!

;**
Manu

Anônimo disse...

bem... pra quem quer ter uma carreira de escritora, falar, dissertar, fatos de miséria e pobreza é muito que clicher, talvez isso tudo poderia servir de desabafo, o mundo não precisa saber de mais miséria,pois elas são tão nitidas, principalmente na TV, concorrencia desleal pra vc, já que a TV nos mostrar casos como o seu todo dia, pensaria melhor se fosse vc, catalizar novas idéias, essa é a nova deixa "crie algo novo!"

Gecadoida disse...

Quem disse que quero ser escritora? Quero ser perito criminal =[
e outra, eu nunca vi argumento mais tosco do que a "TV". Não estou disputando com a concorrencia, ela não existe pra mim. Fatos de miséria e pobreza são clichês porque existem, existem muito.